1 1 1 2 2 2 3 3 3

the process of art

TEMPORADA 2017

O entorno

do edifício esther

Convidamos duas artistas para entender as dinâmicas sociais e culturais em torno do Edifício Esther em São Paulo. A partir daí, cada uma escolheu uma questão como ponto central de investigação e se dedicou por 10 semanas à um projeto individual. Desta forma, ao final da temporada e ao sobrepor (tanto na exposição quanto na publicação) os trabalhos desenvolvidos, há a possibilidade de construir um mapa afetivo cujas camadas provém da ótica de cada artista e que poderia ajudar a compreender melhor as dinâmicas que circundam o Edifício Esther. Curadoria e texto de Caio Meirelles Aguiar. Fotos: Marina Nacamuli e Marcela Scheid.

Carolina Caffé

Nos vídeos de Carolina – separados entre atos, cada um para um personagem que habita o Edifício Esther – ouvimos a voz que conta uma história ao mesmo tempo em que assistimos a imagem do suposto narrador. Ambos, porém, nunca estão em sincronia, nunca se entrelaçam para garantir a certeza documental de que áudio e vídeo provém da mesma fonte e registram a história de um mesmo personagem. Estamos acostumados a pensar no documentário tradicional como peça isenta de construções narrativas ambíguas, onde argumento e ritmo são ditados pelo acúmulo de fatos trazidos à tona e não há espaço para divagar além das conclusões estruturadas pelo relato dos entrevistados.

 

Para a maioria das pessoas, tais digressões estariam reservadas apenas ao âmbito da ficção. Dado que nos trabalhos apresentados por Carolina não é possível ao menos ter a certeza de que voz e imagem se originam na mesma pessoa, o que nos garante que qualquer coisa aí é real? Que esses personagens e histórias de fato ocorreram? Essas dúvidas descreditam o caráter documental dos vídeos? A palavra do artista, e a fé que colocamos na sua interpretação dessa realidade, é a única garantia disponível. Em outros momentos, os vídeos mostram imagens editadas da calçada do Esther, sons e também cortes abruptos de cena que constroem tensão sem depender de palavras ou descrições precisas do que ocorre.

Para o observador, é difícil decifrar se a artista apenas captura e transmite a atmosfera urgente da Praça da República ou se tal sequência é absolutamente ficcional, originada em fragmentos aleatórios, costurada na ilha de edição e reapresentada como uma realidade construída. Mas, por ser construída, seria essa nova realidade menos real, menos possível? Através de exercícios como estes, Carolina fala de seus interesses e preocupações, reivindicando o lugar do documentário como gênero que também pode fragmentar e reconstruir a realidade.

Raquel Uendi

Raquel Uendi, por sua vez, organiza em seus cadernos algo que para ela se traduz como exercícios de pura criatividade; desenhos, fotografias, colagens e recortes que se sobrepõe sem a intenção de abordar especificamente uma questão ou outra.

 

Sendo assim, estes cadernos não devem ser vistos como uma compilação de janelas para os interesses ou consciência da artista. Não há neles nem exatamente uma documentação ou acúmulo de vestígios da vida – como seria esperado de um diário – nem a construção de uma narrativa visual – como um fotolivro poderia. Inversamente, eles não apontam para dentro, para o seu conteúdo conceitual e visual, mas sim para fora, para a pessoa que os concebeu e sua própria constituição como objeto físico fruto de um trabalho manual. Os cadernos incorporam o espaço e o dia-a-dia ao redor da artista, chamando atenção para uma prática artística que, antes de se preocupar com o que vai dizer, se concentra em fazer livremente.

Assim, se os cadernos de Raquel são as evidências físicas do processo de trabalho ocorrido durante a residência, o fato deles não conterem cenas ou fragmentos que remetam diretamente ao Edifício Esther revela a opção de se incorporar àquele espaço pelo simples ato de trabalhar livremente ali dentro, ao invés de preocupar-se em refleti-lo. Ao contrário de Carolina, a produção de Raquel não se apresenta como uma possível realidade construída a partir do recorte de outras, ela é uma nova em si mesmo.

Voltar ao topo